Os meus passos estavam leves naquela manhã, por entre o serpenteante caminho de árvores do Parque Verde, junto ao rio, com vista para a cidade de Coimbra, minha cidade berço. Caminhava lentamente, inspirando o ar perfumado da manhã, pois não havia pressas, até parecia que queria parar o tempo para ele não passar, para ele não se esgotar de repente, parecendo que tudo não teria passado apenas de um sonho.
E voilà! De repente, o coração palpitou bem depressa quando me vi entrar naquele lugar encantado com perfumes de papel, magia e afeto. Lá num canto, estaria talvez uma fada madrinha que me tocara com a sua varinha mágica, transformando-me numa linda livreira, ao lado de Sofia Correia, a livreira da Faz de Conto e da Cátia Soares. Ambas me saudaram com um sorriso no olhar e depois caminhei, percorrendo os meandros daquele lugar repleto de luz e de histórias prontinhas a saltar para fora de cada livro, meio adormecido na prateleira ou na estante. Por vezes, as mãos de Sofia abraçavam um e ele, ansioso, desatava a balbuciar palavras que saltitavam umas atrás das outras, dentro de desenhos bonitos e cativantes. Depois regressava à estante orgulhoso do seu papel de encantamento daquele que se deixava inebriar pelo seu interior.
Havia livros que falavam línguas, até mesmo um que falava insetês, a língua dos insetos, pousado numa cadeirinha colorida logo à entrada. Havia outros que se desdobravam, como concertinas, outros de onde saltavam personagens em papel e florestas encantadas coloridas. Havia livros que sabiam a mar, outros a paz e outros que sabiam a flores e a arte, muita arte, e ideias estrambólicas! A própria Sofia, livreira, parecia ela própria ter pulado de dentro de um livro com o seu cabelo rosa risonho e o seu vestido preto às bolinhas brancas.
Passei os olhos pelo cantinho das histórias e pela estante onde estava a materialização de uma casinha de um dos livros da livraria, pelos livros que me sussurravam segredos e eu, inocente, ia e ficava presa lá dentro, imersa nas histórias que ora nos comoviam, ora nos impulsionavam, num trampolim de esperança e de maravilhamento.
Compreendi como se escolhiam os livros certos para as vontades daqueles que os queriam. Essa escolha envolvia uma conversa profunda em que se procurava escutar o que a pessoa queria e os livros que poderiam contribuir com a sua ajuda. Muitos entreolhavam-se, contentes, por serem olhados com calma, por serem folheados com amor. O amor só poderia gerar amor. E foi assim que me deixei enlevar pelo coração e decorar a bancada com livros sobre a natureza, onde se destacasse a floresta e o mar e livros com sons, histórias de encantar e experiências táteis. E aprendi a fazer a exposição dos livros, sempre em pirâmide, do maior para o mais pequeno e ver as cores e como se tocavam.
E qual era a história da livreira Sofia e da sua livraria?
Na esplanada da Proteína, entre sabores e a brisa do final da manhã, Sofia e Cátia revelaram um pouco de si e a conversa bailou por cima das nossas cabeças, palavra atrás de outra, sobre a livraria, sobre aspetos da vida. Depois, Sofia contou a sua história. Sofia tinha sonhos. Gostava de viajar, da natureza e gostava muito de Yoga, até chegando a dar aulas. Foi para a Faculdade e tirou o curso de Engenharia Ambiental. Trabalhou em comunicação numa consultora ambiental, mas os dias em que ficava aprisionada dentro de paredes acabou por fatigá-la. Então, resolveu viajar por vários países e visitou muitas livrarias. Regressou e inscreveu-se numa formação sobre empreendedorismo, da Provi@, no IEFP, tendo depois estagiado na Biblioteca Municipal de Coimbra. Em Madrid, através do programa Erasmus para Empreendedores, esteve a trabalhar na livraria infantil Liberespacio libreria. A viagem trouxe ideias e muita vontade de embelezar a cidade de Coimbra com algo que ainda não tinha, uma livraria infantil. Na verdade, há sempre um risco, mas se não se arriscar também não se caminha, acabando por haver estagnação. Sofia contou que numa das suas viagens conheceu uma pessoa que lhe disse que para se encontrar, já que ela lhe confessara sentir-se “perdida”, deveria observar-se de fora, procurando perceber o que fazia, do que falava com maior entusiasmo e percebeu. Livros! Falava de livros a toda a hora! Quando regressou a Coimbra, a mãe incentivou-a e ambas viram nascer a Faz de Conto, rodeada de árvores e cantorias de passarinhos, junto ao rio, de olhos postos na cidade de Coimbra.
Regressámos e fomos explorar, tal qual crianças, a Exposição Temporária de “Bichos de pata articulada”, no Exploratório. Como desejei naquele momento saber falar insetês com cada um deles, com o bicho pau, bicho folha, pseudoescorpião, louva-a-deus…
Os livros chegavam dentro de uma caixa. Emoção! E foi assim que saudamos cada um, sentindo os aromas de novidade. Olhámos para cada um, conferimos a lista da encomenda, colocámos os preços, enquanto, no lugar encantado, saltitava uma pequenina, talvez de três anos, que gritava “Caudas! Caudas!!”, explorando, feliz, os livrinhos que lhe piscavam o olho.
Um dos livros que vinham na encomenda era sobre uma aranha e assim decidimos fazer uma vitrine baseada na sua história. A teia. A brincadeira. Os pormenores.
Depois foi a vez de fazer encomendas, desenhar à mão as escadas em direção às estrelas e pôr os carimbos. Em seguida, com todo o cuidado, colocávamos lá dentro os livros pedidos, polvilhados com palavras e carinho. Carinho gera carinho. E foi assim que fiquei, repleta de carinho e inspiração, quando recebi o saquinho da livraria Faz de Conto com o meu nome bordado e com carinho dentro.
Os meus passos estavam leves naquele fim de tarde, por entre o serpenteante caminho de árvores do Parque Verde, junto ao rio, com vista para a cidade de Coimbra, minha cidade berço. Caminhava lentamente, inspirando o ar perfumado daquela tarde, pois não havia pressas, até parecia que queria fotografar o tempo para ele ficar mais bem registado na memória, para ele não se esvanecer, parecendo que tudo não teria passado apenas de um sonho.
“Faz de conta que sou livro,
Quando em mim trago toda
A realidade que sonho.”
A “livreira faz de conta” Teresa
9 de setembro de 2020